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COPA DO MUNDO 2018: ESTÁDIO DA ABERTURA, LUZHINIKI É HERANÇA SOVIÉTICA

Interior do Estádio Luzhiniki (Foto: Wikimedia Commons)

14/06/2018

Batizada inicialmente de Estádio Central Lenin, arena foi palco de momentos emblemáticos do esporte mundial

A máxima é verdadeira: o futebol é mesmo uma caixinha de surpresas. Quem diria, afinal, que nesta quinta-feira,ao meio-dia (horário de Brasília), o planeta voltará seus olhos para uma partida entre Arábia Saudita e Rússia? Se o jogo inaugural do maior torneio de futebol do planeta não prima pela qualidade técnica, o palco dessa disputa é dos mais icônicos. Situado às margens do Rio Moscou, o complexo esportivo que abriga o Estádio Luzhiniki é um museu a céu aberto da história russa — e testemunha de acontecimentos que marcaram o século 20 em todo o mundo. 

Inaugurado em 1956 e batizado inicialmente como Estádio Central Lenin, o Luzhiniki tinha capacidade para abrigar quase 85 mil pessoas, sendo o maior estádio da capital Moscou. Construído para ser um símbolo do esporte soviético, o estádio que homenageava o líder da Revolução Russa de 1917 fazia parte de um conjunto esportivo idealizado para sediar treinamentos e competições de diferentes modalidades, como atletismo e hóquei no gelo. 

O plano de estabelecer uma hegemonia esportiva refletia o momento de poderio da União Soviética e sua intenção de disputar o papel de superpotência global com os Estados Unidos. Com papel decisivo na derrota da Alemanha nazista, em 1945, os soviéticos emergiram ao lado dos norte-americanos como grandes vencedores da Segunda Guerra Mundial. Aliados temporários na luta contra os nazistas, os dois países logo retornariam à política de inimizade por conta de suas diferenças ideológicas irreconciliáveis: não seria lá muito fácil a convivência entre a maior potência capitalista do mundo e um Estado inspirado no pensamento marxista, que colocava justamente a superação do capitalismo como condição para o desenvolvimento da humanidade.

Após libertar territórios ocupados pelos nazistas durante a guerra, a União Soviética estabeleceu influência política no Leste Europeu e em parte da Alemanha, incentivando o desenvolvimento de governos socialistas. Para recuperar-se das perdas humanas e materiais — estima-se que mais de 20 milhões de soviéticos morreram durante o conflito — o governo estimulou um rápido desenvolvimento econômico, com a reconstrução de cidades, indústrias, fazendas coletivas e demais unidades produtivas. 

Se não contavam com as mesmas tecnologias de países capitalistas avançados, como os Estados Unidos, os soviéticos compensavam essa desvantagem com o desenvolvimento de recursos militares: para o estarrecimento norte-americano, o Exército Vermelho detonaria sua primeira bomba nuclear em 1949, apenas quatro anos depois de os Estados Unidos atacarem as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Em posse de armas de destruição em massa, os dois países antagônicos tomaram ciência que um novo conflito militar poderia resultar na destruição efetiva dessas nações — e, de quebra, do resto do planeta. 

Josef Stalin, que liderou a União Soviética de 1924 a 1953 (Foto: Reprodução)

Discurso secreto e "abertura"

No plano político, a União Soviética também passava por um momento de mudanças no início da década de 1950. Josef Stalin, que mantinha-se no poder desde 1924, jamais havia alcançado tanto prestígio. Após destruir qualquer traço de oposição interna durante a década de 1930 (o que incluía a prisão e execução de antigos correligionários do Partido Comunista), o líder também exercia influência na geopolítica mundial: em 1949, a Revolução Chinesa colocaria o país mais populoso do mundo no rumo de uma transição socialista. 

Depois do período mais duro de coletivização da agricultura, na década de 1930, que resultaria em fome e morte em larga escala, a União Soviética gozava de certa estabilidade. Em 1953, no entanto, a morte do líder abriu a brecha para a disputa interna dos antigos aliados de Stalin. Venceu Nikita Kruschev, um ucraniano que se destacou como comissário político durante a Batalha de Stalingrado — episódio da Segunda Guerra Mundial que marcou a virada dos aliados contra a Alemanha nazista. 

Menos afeito à centralização extrema e ao expediente de perseguição interna, Kruschev iniciou um processo de "desestalinização" da sociedade. Em 1956, ano de inauguração do Estádio Luzhiniki, o líder soviético realizaria um "discurso secreto" durante o 20º Congresso do Partido Comunista. Fazendo algo impensável nos tempos stalinistas, Kruschev denunciou o culto à personalidade das lideranças e repudiou os crimes cometidos pelo regime. O ato rachou o movimento comunista mundial: a China e outros movimentos acusariam Kruschev de "revisionismo", afastando-se das táticas marxistas-leninistas. 

O choro de Misha

Desgastado politicamente e acusado de cometer erros na economia, Nikita Kruschev foi destituído da liderança soviética em 1964, sendo substituído pelo compatriota ucraniano Leonid Brejnev. Com estilo centralizador, o secretário-geral do Partido Comunista governaria os territórios da União Soviética durante um período de "estagnação": o país vivia certa estabilidade econômica, mas não alcançava o crescimento pretendido para atingir os patamares tecnológicos e produtivos (sobretudo de bens de consumo não duráveis) dos países capitalistas. 

Em 1979, a União Soviética auxiliaria os aliados do governo afegão, enviando tropas contra insurgentes de inspiração islâmica. A medida seria repudiada pelos Estados Unidos, que promoveria um boicote aos Jogos Olímpicos que seriam sedidados em Moscou no ano de 1980.

Mesmo sem a participação de parte dos países ocidentais (o Brasil não atendeu aos pedidos norte-americanos e enviou sua delegação à competição), o evento esportivo seria marcado por uma cena que aconteceu justamente no Estádio Luzhinik: considerado um dos mascotes mais populares da história dos Jogos, o ursinho Misha foi retratado em um mosaico e "chorava" durante a cerimônia de encerramento. Durante alguns segundos, a tensão entre soviéticos e norte-americanos foi aliviada por conta do esporte. 

O ursinho Misha, mascote dos Jogos Olímpicos de 1980 (Foto: Reprodução)

Com a chegada de Mikhail Gorbachev ao poder, em 1985, mudanças na estrutura do Estado começaram a acontecer, com políticas conhecidas como glasnost ("transparência", em russo) e perestroika ("reestruturação", em russo). A estagnação da década de 1970 e a dificuldade em alcançar a tecnologia dos países capitalistas, no entanto, feriram de morte o núcleo da economia soviética. No final de 1991, a União Soviética oficialmente acabaria e a Rússia se transformaria em um país capitalista. 

Nomeada país-sede da Copa do Mundo em 2010, a Rússia iniciou a construção e modernização de seu complexo esportivo. Após uma reforma que durou cinco anos e custou cerca de quase R$ 1,7 bilhão, o Estádio Luzhiniki converteu-se em uma arena moderna capaz de abrigar 81 mil torcedores. A modernidade não foi capaz de apagar as lembranças soviéticas, entretanto: quando Arábia Saudita e Rússia derem o pontapé inicial do início do torneio mundial, uma imponente estátua de Vladimir Lenin situada em frente ao estádio acompanhará a partida. O futebol também tem muitas histórias para contar. 



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