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ALAIN MABANCKOU É APLAUDIDO AO DIZER QUE 'ÁFRICA E FRANÇA GANHARAM A COPA' E DEFENDER ESPAÇO PARA CULTURA AFRICANA

A partir da esquerda: os mediadores/entrevistadores José Luiz Passos, Bruno Gomide o 
escritor franco-congolês Alain Mabanckou na mesa 'Memórias de porco-espinho' nesta 
sexta-feira (27) na Flip 2018 (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)

27/07/2018

Boa mesa com autor franco-congolês nesta sexta-feira (27) na Flip teve momentos bem-humorados e discussão sobre imigração e identidade.

Por Cauê Muraro, G1, Paraty

O autor franco-congolês Alain Mabanckou foi aplaudido várias vezes na ótima mesa da qual participou nesta sexta-feira (27) na 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

O tom foi de bom humor o tempo todo, principalmente da parte de José Luiz Passos, um dos dois mediadores/entrevistados convocados para o encontro. O outro foi Bruno Gomide.

Já no começo do debate, chamado "Memórias de porco-espinho", mesmo título de uma obra sua, Mabanckou, que é conhecido como "Samuel Beckett da África", quis falar de futebol: "A África ganhou a Copa do Mundo, não é? A África e a França, porque a França também é África". Levou palmas da plateia.
"Nós temos relações históricas difíceis, porém o que acontece é que os africanos e a França se associam até para formar uma família. A vitória nesta Copa mostrou que podemos ir além das questões de raça, podemos ultrapassar também os preconceitos raciais. Não há pessoas sublimes, não há pessoas sobrenaturais. Temos que trabalhar sempre em comum. Gostei muito de ver que o futebol era capaz de modificar a percepção dos indivíduos."

O escritor lembrou-se de que nasceu no Congo e contou que, quando pequeno, ele e os amigos viam Pelé na na TV e pensavam: 'Quando é que os brasileiros vão nos devolver o Rei Pelé?' Um ministro Congo dizia: 'Vamos fazer uma petição e pedir aos brasileiros que nos devolvam o Rei Pelé'".

Mais tarde, Mabanckou diria que a abordagem inicial tinha sido com bom humor mas que agora falaria mais sério.

"Acredito que o que é essencial não é congratular-se pela vitória na Copa do Mundo. Em geral, esses negros são franceses. A diferença é que a França não pode proibi-los de serem franceses. Porque se o Mbappé for a algum encontro e disser 'Não vote em macron', ele não vai ser eleito. Quando você tem o poder, não importa a cor da pele".

Para o escritor, esse "poder" representa uma blindagem física e intelectual".

Falou ainda que não se trata de falar sobre como a Europa não integra os africanos. "Trata-se de conhecer, de estudar a história da África de A a Z". Disse que a Europa colonizou a África, pegou "o petróleo, pegou tudo, mas nunca conseguiram capturar a cultura africana".

O autor considera "Memórias de porco-espinho" seu romance "mais africano, no setindo de que é neste romance que faço homenagem às tradições africanas, crenças, contos, fábula". E foi escrito em francês .

Por outro lado, Mabanckou não crê que os negros devam ter "como projeto o fato de serem, digamos, algum tipo de negro.

"Eu gostaria simplesmente de ser um ser humano. E já é um trablho muito difícil ser um ser humano. É fácil ser um negro, basta ter nascido de dois pais negros na África. Ou, no caso de pais mistos, basta ter uma gotinha de sangue negro. Agora, ser um ser humano, isso é uma operação difícil de se realizar, porque ela exige tolerância, exige o saber, a compreensão das outras culturas."

De acordo com ele, "esse desejo da negritude é um desejo talvez um pouco fantasiado por muito intelectuais africanos hoje em dia".

No final, vieram mais dois momentos bem engraçados. O primeiro, quando Bruno Gomide falou, anos atrás, jamais se imaginaria no palco da Flip. Pediu, então, que o convidado falasse a jovens e jovens negras que eventualmente pensem em começar a escrever.

Mabanckou relembrou a própria trajetória, desde quando era criança no Congo, depois a mudança para a França para fazer faculdade de direito, depois mestrado e doutorado, a opção pela literatura, os muitos "nãos" de editores. Mas, no fim, veio a brincadeira inesperada:

"Vivi na França por 17 anos, e há muitos mais escritores brancos infelizes. Vi um branco falando: 'Ah, eu queria ser um escritor negro pra ser convidado pra debates'. Então, passei o dia consolando-o: 'Não é nada disso, você não escolheu ser branco, calma'. Então, cuidado, você também tem de pensar no sofrimento do homem branco, que você não vê, porque são muitos". Risos gerais.

Para encerrar, mais descontração, quando alguém perguntou sobre o estilo das roupas do autor. Ele explicou que isso vem da época em que ainda morava no Congo. "Minha mãe me dizia: 'Mesmo que você não tenha comido nada, você tem de estar sempre bem vestido. Não ponha gravata, mas ponha uma roupa com a qual você se sinta bem, par arespitrar e para ter conforto'".


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