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O revezamento da tocha que já uniu o Brasil

Foto: Rio2016/André Maurao/Divulgação


15/05/2016

Desejo das lideranças Olímpicas atuais, o uso de um revezamento da tocha contendo uma chama para unir o país já ocorreu no Brasil há 78 anos atrás – e com sucesso.

Por Luis Henrique Rolim

O ano era 1936, a cidade era Berlim e o nome gritado nas ruas era o do tirano Adolf Hitler. Nesse contexto, chegava pela primeira vez na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos uma chama acessa em Olímpia na Grécia. Tudo isso era considerado um fato extraordinário, realizado graças a muito dinheiro investido na tecnologia de um artefato batizado de “Tocha Olímpica” que era capaz de manter essa chama acessa por um curto período; porém através de um revezamento poderia ser conduzido em grandes distâncias.

Diante daquele frenesi causado pela chegada da chama Olímpica, quatro brasileiros que estavam presentes no estádio em Berlim, ficaram impressionados com o “poder de união” construído pelos nazistas em torno de um momento esportivo.

DOIS ANOS MAIS TARDE, ESSE BRASILEIROS ESTAVAM REALIZANDO NO BRASIL UMA CÓPIA DO REVEZAMENTO OLÍMPICO. DENOMINADA DE “CORRIDA DO FOGO SIMBÓLICO DA PÁTRIA” ESSA PRÁTICA INICIOU-SE NO RIO GRANDE DO SUL, MAS DEPOIS GANHOU O BRASIL E O MUNDO – CHEGANDO A SER CONSIDERADA A MAIOR CORRIDA DE REVEZAMENTO DO PLANETA.

Naquele Brasil dos anos 40, Getúlio Vargas havia assumido como presidente, implantado o Estado Novo, acabado com o Congresso Nacional e censurado a “imprensa e a propaganda”. O Brasil flertava com a ditadura e Vargas era o nosso “líder” que buscava homogenizar o país através de um processo de nacionalização – isso mesmo, falar português, vestir verde e amarelo e saudar heróis da pátria viraram uma obrigação.

Nesse contexto é que surge a Corrida do Fogo Simbólico no Brasil.

Um revezamento que buscava unir o país, estimulando o patriotismo e “nacionalizando” cidades e regiões ainda pouco “brasileiras”. Uma prática similar aos que os alemães arquitetaram no primeiro revezamento da Chama Olímpica: passar por cidades e países favoráveis ao regime de Hitler, criando um sentimento de união e fortalecimento em torno dos ideais nazistas.

Aqueles quatro brasileiros que estavam no estádio Olímpico de Berlim em 1936, eram dirigentes de clubes esportivos de Porto Alegre – mas nem pense em gerenalizar, pois eles tinham vinculo com outros clubes históricos da capital gaúcha.

Túlio De Rose e Ernesto Capelli eram ligados ao Club Italiano Canottieri Duca degli Abruzzi, que após o processo de nacionalização passou a ser chamado de Clube de Regatas Duque de Caxias; José Carlos Daudt, era vinculado ao Turnerbund, que posteriormente mudou o nome para Sociedade Ginástica Porto Alegre (SOGIPA); e Darci Vignoli era membro do Turnershaft, que após a nacionalização passou a ser Grêmio Náutico União.

Para que a corrida acontecesse esses dirigentes se associaram a Liga de Defesa Nacional, uma associação cívico-cultural que instrumentalizou a corrida, fornecendo o apoio logístico e ideológico para ela. E, dessa forma, tal qual a chama Olímpica, o fogo simbólico brasileiro também passou a ser “tematizado”, tendo a sua conexão com motivos “sagrados”.

Na primeira corrida em 1938, o “fogo” foi acesso na lâmpada votiva do altar da Nossa Senhora da Conceição, padroeira do Brasil, que desde 1741 estava acesa em Viamão (primeira capital gaúcha). Nas mãos de atletas, a tocha contendo o fogo simbólico da pátria percorreu 26 km até o Parque da Redenção em Porto Alegre; onde havia sido instalada um pira em frente ao Monumento do Expedicionário. A chegada do fogo simbólico acontecia a meia-noite do dia 1 de setembro e, o acendimento da pira, marcava a abertura das comemorações da Semana da Pátria na cidade de Porto Alegre.

Depois do sucesso das primeiras “corridas” no Rio Grande do Sul, a Liga de Defesa decidiu expandir a sua abrangência para o território nacional e posteriormente internacional; fato que tornou o revezamento do fogo simbólico o maior do mundo, pois os Jogos Olímpicos pararam devido a Segunda Guerra mundial.

No ano de 1944, por exemplo, a corrida tinha como tema os “heróis nacionais da Guerra dos Guararapes”; e assim, o fogo simbólico foi acesso em Recife e percorreu 6.367 km até Porto Alegre. Já no outro ano, o tema era “a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial”, saindo de Monte Castelo na Itália (onde os soldados brasileiros lutaram contra os alemães), percorrendo 6.370 km até a capital gaúcha. E ano seguinte saiu da capital americana, Washington, para homenagear Franklin Roosevelt e os aliados, percorrendo 7.100 km.

A corrida do fogo simbólico ocorre até hoje, mas sem o impacto dos seus primeiros dez anos. Se hoje, diante do momento conturbado da política brasileira as autoridades Olímpicas esperam unir o país com o revezamento da chama Olímpica dos Jogos Rio 2016; a história da corrida do fogo simbólico nos mostra que é preciso um contexto diferenciado e muito mais do que “espírito olímpico” para que isso ocorra no Brasil.


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