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"QUEREMOS TER UMA RELAÇÃO MAIS PRÓXIMA COM O BRASIL", DIZ CHEFE DO FUTEBOL CUBANO

Luis Hernandez, presidente da Associação Cubana de Futebol (Foto: Reprodução)

12/05/2017

Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com, Luis Hernandez reclama do embargo imposto pelos EUA e projeta vaga na Copa de 2026

Por Martín Fernandez, Manama, Bahrein

Cuba quer aprender futebol com o Brasil. Quem afirma é Luis Hernandez, de 67 anos, ex-jogador (disputou a Olimpíada de 1976) e presidente da Associação Cubana de Futebol. Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com, Hernandez falou sobre os planos de intercâmbio com o futebol brasileiro, a relação conflituosa com os EUA, a concorrência com o beisebol e a dificuldade de conciliar socialismo com profissionalismo.

Por que o futebol cubano nunca atingiu os resultados de outros esportes coletivos, como o vôlei e o basquete?

Nas décadas de 1910 e 1920, o futebol cubano teve uma grande influência da Espanha, que só aumentou durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Na Copa de 1938, a única de que participamos, só um jogador nosso era cubano, os outros eram espanhois. Depois disso, Cuba ficou mais próxima dos EUA e desde então o beisebol é nosso esporte nacional. Os jovens e as crianças jogam muito futebol, mas o beisebol ainda é o esporte nacional.

Quais são as maiores dificuldades do futebol cubano?

O problema fundamental é a falta de intercâmbio. Porque somos uma ilha. Para poder competir, temos que viajar constantemente, e as viagens são muito custosas. Temos muitos problemas com infraestrutura, não temos estádios de primeiro nível como vocês têm no Brasil. Temos escassez de alguns materiais, como bolas, material esportivo.

A Fifa não gosta que governos interfiram no futebol. Como é em Cuba?

Quando a Revolução triunfou, a partir de 1959, houve um lema do nosso comandante Fidel Castro, que o esporte seria um direito do povo e deveria chegar a todos e de maneira gratuita. Poucos países na nossa região, na Concacaf, têm nossa estrutura: temos 1.700 treinadores, levamos os talentos para as escolas de futebol em todas as províncias. E alimentação, os médicos, o transporte, tudo é financiado pelo governo. Se nós conseguirmos juntar o apoio do governo ao apoio da Fifa, vamos ter resultados em breve.

Quais seriam esses resultados "em breve"? Chegar a uma Copa?

Nosso objetivo é classificar para a Copa de 2026

Temos quase 10 anos para isso, temos um bom nível no sub-15 e no sub-17. E temos algo novo no futebol cubano, que é mandar jogadores para outras ligas. Já há dois no México, dois indo para a França.

O governo precisa autorizar a saída de jogadores?

Agora não. Lidamos com isso na federação e nos clubes. É uma possibilidade real que os jogadores podem ir jogar num nível superior e depois voltar para representar nosso país.

Como é relação do futebol de Cuba com o Brasil?

Nós somos loucos pelo futebol brasileiro. Conhecemos todos os times, os resultados históricos e atuais do futebol brasileiro. Estamos muito contentes que o futebol brasil retomou o nível mundial que sempre teve. Agora estamos conversando com a CBF para formalizar um convênio de ajuda técnica ao futebol cubano. Adoraríamos que um clube brasileiro fosse a Cuba fazer pré-temporada, por exemplo. Os clubes brasileiros costumam cobrar por isso. O problema é que não temos dinheiro para pagar. Agora todos querem ir para os Estados Unidos, e está correto, é algo que eu não sou contra.

Como era a relação de Fidel Castro com o futebol?

Ele foi jogador de futebol numa escola católica. Um filho dele, Toni, jogou muito futebol, hoje é médico ortopedista e cuida dos nossos jogadores.

Fidel sabia muito de futebol, Raul Castro também

Como o embargo econômico impacta o futebol de Cuba?

Cuba é um país de 11 milhões de habitantes, subdesenvolvido, de terceiro mundo, e ficou entre os cinco primeiros na Olimpíada de 1992. O bloqueio é violento, limitou muitas coisas, é um bloqueio criminoso. A tal ponto que a Concacaf não pode repassar a Cuba os recursos a que temos direito. Porque a Concacaf fica em território americano, as leis proíbem [os repasses]. Isso é abusivo.

Nessas reuniões da Fifa, como a desta semana, o senhor fala com seu par dos EUA? Tenta negociar isso?

Nossa relação com a federação de futebol dos EUA e com o povo americano é excelente. Nosso problema são as leis arcaicas que nos prejudicam.

A relação com os EUA não melhorou durante o governo Obama?

Houve coisas positivas, como o amistoso [entre as seleções, em setembro do ano passado], mas a essência não mudou. Temos que reconhecer os avanços, como a liberação para cubanos e americanos viajarem, houve uma aproximação, as hostilidades diminuíram. Mas a essência, como remover a base de Guantánamo, não mudou. Nenhum cubano quer essa base, que está aí há 100 anos e continua aí.

A seleção cubana está bem atrás dos três melhores colocados da Concacaf no 
Ranking da Fifa (Foto: Reprodução)

Quanto dinheiro da Concacaf deixou de entrar?

Só de um projeto de ajuda seriam US$ 125 mil. Dinheiro para comprar bola, material esportivo. Quero deixar claro que não há problema com a federação dos EUA, a relação é excelente, a seleção foi jogar lá, o Cosmos também.

E agora com Trump, o que vai acontecer?

Não quero me meter nesse assunto ainda. Vamos falar de futebol.

Há eleições para seu cargo na federação cubana?

Sim, há cada quatro anos.

E o senhor foi reeleito várias vezes?

Sim, estou lá desde 1998 e tivemos essa possibilidade. Sou do mundo do futebol, fui jogador por muitos anos, treinador da seleção, dirigi o esporte de rendimento no país e me escolheram para este cargo. O futebol é minha paixão.

A seleção cubana saiu da disputa por uma vaga na Copa de 2018 na segunda 
fase do torneio da Concacaf, em 2015 (Foto: Reprodução)

Sofre algum tipo de crítica por estar há muito tempo no cargo?

Não. Ao contrário, recebemos o apoio de todas as federações provinciais. E agora, como dizemos os cubanos, há mais revoluções pela frente, há muito o que fazer.

O senhor conviveu com Joseph Blatter, Jérôme Valcke, dirigentes que foram banidos do futebol. O que mudou na Fifa?

Que havia corruptos, é uma realidade que ficou demonstrada. Mas a Fifa sempre fez um trabalho de apoio com as federações nacionais, e naquele momento cumpriram seus objetivos. Esta é uma nova Fifa, atualizada, com novas ideias. Infantino cumpriu suas promessas de campanha e trouxe ex-jogadores, gente que conhece o jogo, para participar das decisões.

O embargo não impede o dinheiro da Fifa?

Não. O dinheiro da Fifa nos chega totalmente [Gianni Infantino aumentou o repasse para as associações nacionais para US$ 5 milhões a cada quatro anos].

Como o senhor viu todos os casos de corrupção envolvendo a Concacaf?

Por sorte, nosso governo também nos ensinou a ser transparentes. Não há nenhum cubano envolvido. E nem haverá.

Posso dizer que as medidas internas do nosso país e nossa edução não nos levam ao mundo da corrupção

Quem será o primeiro grande jogador cubano da história?

Temos muitos garotos talentosos, com as mesmas características do jogador brasileiro: rápido, habilidoso, pícaro. Até o sub-15 nós vamos bem. Agora vamos ter tempo de prepará-los para a Copa de 2026.


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